Luize Valente fala sobre “Uma Praça em Antuérpia” e conta um pouco sobre o processo de escrever um romance histórico

Luize Valente

Luize Valente no lançamento de “Uma Praça em Antuérpia”.

A escritora conversou com a gente e falou um pouco sobre seus livros, entre outros projetos. Luize Valente, nascida no Rio de Janeiro, é escritora, documentarista e jornalista, com mais de 25 anos de experiência em televisão. Formada em Jornalismo, com pós-graduação em Literatura Brasileira pela PUC/RJ, sempre foi apaixonada por História, com especial fascínio por temas ligados ao Judaísmo, às raízes judaicas do Brasil e à saga dos judeus de Portugal. Luize já publicou dois romances históricos, “O Segredo do Oratório” e “Uma Praça em Antuérpia”, ambos publicado pela Editora Record.

Brasil Book Reviews: Luize, o seu romance histórico Uma Praça em Antuérpia foi muito aclamado pelos leitores e pela crítica especializada. Como você lida com isso?

Luize Valente: Com enorme felicidade! Para mim, o livro deixa de ser do autor quando passa para as mãos do leitor. E se torna de cada um que o lê, despertando um conjunto de emoções e reações. A resposta que venho recebendo é maravilhosa.  Fico muito feliz em não decepcionar os leitores.


BBR: Para escrever um romance histórico é necessária uma pesquisa muito detalhada. Você viajou para Antuérpia e pela Europa para ter mais riqueza de detalhes na narrativa?
Quais as dificuldades de escrever um romance histórico?

Luize: Sim. Mas antes da viagem fiz uma enorme pesquisa, bem detalhada. A base do romance histórico é a pesquisa.  A trama é ficção, mas, no romance histórico, o desafio é adaptá-la a História. Criar a verossimilhança interna. Além de pesquisar sobre as guerras (Espanhola, Primeira e Segunda Guerras Mundiais) pesquisei também sobre o cotidiano: as fugas, o que as pessoas comiam, o clima (sol, chuva), etc. Para isso contei com depoimentos de pessoas que viveram a época. Eles enriqueceram demais a trama. E por último, estar in loco foi fundamental. Viajei aos locais citados, refiz o trajeto dos personagens, passei pelos locais que eles passaram… foi fundamental para recriar o momento, principalmente na fuga de Clarice e Theodor da Bélgica rumo a Portugal.

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BBR: Por que o nazismo? Sabemos que esse período por mais sombrio que seja é um tema muito estudado e que desperta muita curiosidade. Foi a partir da curiosidade que você decidiu escrever o romance?

Luize: A ideia surgiu a partir da figura de Aristides Sousa Mendes, um cônsul português que havia emitido milhares de vistos para judeus e não judeus no começo da guerra, desafiando as ordens do ditador português António Salazar. Aristides foi cônsul de Portugal na cidade francesa de Bordeaux. E salvou milhares de vidas. Um Schindler português. A história dele me fascinava. Acabou na miséria e só foi reconhecido décadas depois. A partir daí me veio a ideia de falar dos horrores da guerra sobre um ponto de vista que não havia visto ainda. Ressaltando o papel de Portugal, da França e da Bélgica invadidas, das fugas. Os campos de concentração,  os carrascos nazistas, a Alemanha tomada são mais abordados. Resolvi seguir por um caminho pouco explorado.

BBR: Você tem uma relação íntima com os temas quer abordam o judaísmo e isso reflete nas suas obras. Conte-nos mais um pouco sobre isso.

Luize: Eu tenho uma ligação com temas judaicos que não é por origem familiar. A cultura e as tradições judaicas sempre me fascinaram. E nunca consegui entender o antissemitismo. Em meu trabalho, tanto nos livros como documentários, procuro tentar mostrar o absurdo das perseguições e do preconceito. O quanto é gratuito e infundado e quão importante é a contribuição do povo judeu, especialmente no Brasil, está na raiz de nossa sociedade desde  a colonização. Muita gente não sabe.


BBR: O fato de ser jornalista e documentarista ajuda na hora de escrever os romances?

Luize: Sim, principalmente para o romance histórico. A trama é ficcional, mas o contexto é real. A verossimilhança interna do que escrevo é resultado da minha obsessão com pesquisas, com checar os fatos exaustivamente. E também meu estilo com frases mais curtas, objetivas, o que cria um pouco a sensação de “filme” que meus livros acabando gerando!


BBR: A escrita faz parte da sua vida desde pequena ou só começou a escrever quando adulta?

Luize: Mais do que a escrita, eu diria a leitura. Sou uma leitora fanática desde pequena mesmo. Gosto herdado do meu pai. E acho que ler é a melhor escola para escrever. Sempre li, sempre escrevi.


BBR: Quais são as suas referências na literatura?

Luize: Inúmeras! Ficaria um dia inteiro e outro e outro citando! Vou citar alguns: Eça de Queiróz, Nelson Rodrigues, Dostoievsky, Machado de Assis, folhetins e clássicos do século XIX, Murakami, Ian McEwan, Philip Roth, Primo Levi… não vou conseguir parar!!!!


BBR: Ser escritora no Brasil é difícil? 

Luize: Acho que ser escritor, em si, não. É o tipo do ofício, assim como do ator e de todo artista, que exige – mais do que talento – uma grande dose de paixão. É “uma profissão” que se mistura com a vida. Eu amo escrever! O que é difícil no Brasil e acho que em todo o lugar é viver somente da escrita, de escrever romances! No meu caso, são muitas pesquisas, viagens, etc. Espero conseguir um dia! Enquanto isso não acontece, continuo escrevendo com a mesma dedicação de sempre… E trabalhando muito como jornalista para pagar as contas!


BBR: Se você pudesse dar um conselho aos novos escritores que estão começando a trilhar esse caminho, qual seria?

Luize: Escreva porque te dá prazer, dedique-se sem pensar no que vem depois, escreva acreditando no que escreve e não se preocupe com o que os outros vão pensar. Se preocupe que você está escrevendo para ser lido! Seja genuíno e verdadeiro! Não fique pensando se o “mercado” quer esse tipo de livro!  Algo que descobri: o mercado quer qualquer livro, qualquer tema, mas quer algo que seja autoral. Se você não é apaixonado por vampiros, mesmo que tenha um texto maravilhoso, o livro será “mais um” porque você não mergulha nele!  Agora se você ama bromélias, é apaixonado pelo assunto, poderá escrever um best-seller, porque vai ser prazeroso escrever e o leitor sente isso. E hoje é mais fácil chegar ao leitor! Se as editoras fecham as portas, não desista. Monte um blogue, vai publicando, o boca a boca é a principal divulgação! E logo uma editora estará atrás de você!


BBR: Você está trabalhando em algum projeto novo? Na literatura ou no cinema?

Luize: Estou trabalhando sempre em vários projetos! Na adaptação para o cinema do meu livro “O segredo do oratório”, numa peça de teatro sobre a história do Fado, em parceria com Carolina Floare, atriz portuguesa radicada no Brasil e nas ideias para um novo livro. Pretendo falar sobre antissemitismo e preconceito nos dias atuais.


BBR: Conte-nos um pouco mais sobre a sua relação com o cinema. Sabemos que o seu documentário A Estrela Oculta do Sertão ganhou o prêmio de melhor documentário no Festival de Cinema Judaico de SP e participou de vários festivais de cinema pelo mundo.

Luize: Fiz dois documentários, com a fotógrafa Elaine Eiger, que chamaria de trabalhos autorais. Como os livros, surgiram do nosso fascínio pelo tema Inquisição, cristãos novos, judaísmo secreto. Foram feitos na garra. Fizemos tudo, literalmente, do roteiro, pesquisa, produção à direção, (inclusive do carro que rodamos por Portugal e pelo Sertão nordestino!) edição, finalização. Mas é o que eu digo, não fizemos os documentários pensando se iria agradar ou se iria para festivais. Fizemos porque tínhamos paixão e queríamos contar aquela história. Os dois estão no YouTube: “Caminhos da Memória – A trajetória dos judeus em Portugal” e “A Estrela  oculta do Sertão”. Quem assistir vai ver a simplicidade técnica, mas a força da história!  “A Estrela oculta do Sertão” foi a base para meu primeiro livro, “O Segredo do Oratório”, que agora preparo para ser adaptado para o cinema!


BBR: Para encerrar, fale mais um pouco sobre Uma Praça em Antuérpia e deixe as suas considerações finais.

Luize: Uma Praça em Antuérpia é basicamente uma história de amor. O amor de um casal, Clarice e Theodor, o amor fraternal, Clarice e sua irmã gêmea, Olivia, o amor maternal, o amor não correspondido. O pano de fundo é a Segunda Guerra Mundial. Mas basicamente o que quis mostrar é que não existem barreiras quando se ama verdadeiramente. Como consideração final, peço para quem ler e gostar passar a dica adiante. O boca a boca é a melhor divulgação de um livro. E vamos prestigiar nossos autores nacionais!


Uma-Praca-em-AntuerpiaApós sua estreia literária com O segredo do oratório, sucesso de público e crítica, Luize Valente volta a mergulhar, de maneira ainda mais surpreendente, na história de uma família de migrantes em Uma praça em Antuérpia. Com domínio da narrativa, que vai e volta do ano-novo de 2000 em Copacabana para os anos da eclosão da Segunda Guerra na Europa, Luize reconstitui a desgraça imposta pelo nazismo aos judeus, razão pela qual muitos deles viriam fazer a vida no Brasil. 

Reunindo sensibilidade pelo drama humano e extensa pesquisa histórica, Luize retrata a chaga do nazismo na miudeza do cotidiano, na intimidade das famílias alemães e europeias, com bárbaros desdobramentos em Portugal, no lar de Clarice e Olivia, de onde a narrativa parte para ganhar o mundo e o Brasil. Acompanhamos a fuga de Clarice e seu marido, o pianista judeu Theodor, por grande parte da Europa, sempre um passo à frente da perseguição nazista, fuga que leva parte da família a cruzar o oceano. Como se não bastasse essa narrativa de tirar o fôlego, Luize presenteia o leitor com um final emocionante e totalmente inesperado.

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Uma resposta para Luize Valente fala sobre “Uma Praça em Antuérpia” e conta um pouco sobre o processo de escrever um romance histórico

  1. Marilia Vasconcellos Giannini Rydlewski disse:

    Entrevista simplismente adorável, parabéns mais uma vez Luize Valente

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